domingo, 13 de junho de 2010

(ESQUECIDO)

Lua Nova, 12 de Junho de 2010

Hoje vou chegar atrasado... Eu tentei, a sério que tentei. Mas viver junto à praia durante o Verão, significa filas de carros todos os dias.
"Bom dia, Rui. Hoje, estás atrasado." A recepcionista cumprimentou-me.
"Olá! Eu sei... Tentei vir o mais rápido que pude, mas -"
"Não te preocupes, ainda tens muito tempo. Ela hoje não está de muito bom humor e demorámos muito mais tempo a fazer com que tomasse banho."
"Desculpem."
"Não precisas de pedir desculpa, nós sabemos que ela não tem culpa. E tu também não, por isso vai e aproveita a última hora que te resta."
"Ok." Apressei-me para o quarto onde ela estava.
Nº 135, 137, 139 e cá está: 141. Bati a porta.
Não houve resposta. Esperei e bati de novo...
"Sim?" Respondeu uma voz muito irritada.
Abri a porta e tentei a minha sorte. "Desculpe incomodá-la Sra. Helena, mas posso entrar?"
"Depende do que vem fazer." Disse a mulher que estava sentada na cama, a olhar fixamente para a janela.
"Venho conversar... Se não quiser eu posso-me ir embora." Acrescentei com um tom de tristeza.
"Só conversar?" Virou-se para mim.
"Só conversar." Assegurei-lhe com um sorriso.
"Acho que não faz mal... É bom para variar de todas os outros que aqui estiveram hoje. Onde é que já se viu! A forçarem-me a comer, a tomar comprimidos e até me tentaram despir!" Ela disse muito revoltada.
Tentei acalmá-la. "De certeza que só queriam ajudá-la..."
"Eu não preciso da ajuda deles!" Gritou. "O que preciso é de ir para casa. Ir para a minha família..." Voltou-se de novo para a janela. "Mas, afinal quem és tu?"
Sentei-me no sofá perto da cama. "Ricardo."
"Ricardo, hum?" Desviou a sua atenção para mim e analisou-me de alto a baixo. Mantive alguma esperança que me reconhecesse. "Podes tratar-me por Lena."
Já devia esperar que não o fizesse. "Ok!" Sorri-lhe. "Estava-me a dizer que tinha de ir para casa, porquê?"
"Porque o meu filho está sozinho em casa... Sozinho, não. As enfermeiras dizem que telefonaram à minha irmã para ficar com ele enquanto estou de observação." Endireitou-se. "Pelos vistos desmaiei no centro comercial e fui trazida para aqui."
"Sério? Mas é alguma coisa séria?"
"Parece que não, mas querem fazer uma data de exames e preferem que eu fique por cá." Suspirou enquanto olhava para mim. "E você, Ricardo? O que está aqui a fazer?"
"Bem, eu..." O que é que tenho desta vez? "Tenho de fazer uns raios-X. Acho que torci o pé a jogar basquetebol. Enquanto esperava reslvi ver se haveria alguém com quem pudesse conversar."
"Joga basquetebol?" Assenti com a cabeça. "Sabe... Esse é o desporto preferido do meu filho! Ele tem 7 anos e eu queria inscrevê-lo num clube qualquer, onde ele pudesse jogar à vontade... Mas, não sei de nenhum que seja compatível com o meu horário. Nestas alturas é que dava jeito que o pai dele ainda estivesse vivo..."
Acho que se a conversa continuar eu começo a chorar. "Eu posso procurar alguns... Amanhã quando voltar passo por aqui e dou-lhe a lista."
Os olhos dela brilharam com alegria. "A sério? Faria isso por mim?"
"Claro!" Por ti faria qualquer coisa... "No entanto, agora tenho de me ir embora."
"Oh! Muito obrigada... Quando o Rui crescer, espero que seja um jovem como o Ricardo."
Corei. "Com uma mãe como a Lena, de certeza que será. Adeus."
"Adeus, até amanhã."
Levantei-me e saí do quarto. Mais um dia em que não se lembrava de mim.
Das primeiras vezes, saía de repente do quarto lavado em lágrimas... Muitas vezes ainda é isso que me apetece fazer. Principalmente quando perguntava «Quem és?».
Passei pela recepcionista e relatei-lhe a visita e ela anotava no processo.
Depois, agradeceu-me e despediu-se. "Adeus! Não te preocupes... Se ela se lembrar de alguma coisa, da visita de hoje, de outro dia, ou da realidade, telefono-te o mais rápido possível."
Agradeci-lhe e fui-me embora do lar.
Sinceramente, nunca pensei que tivesse de passar por isto. Pensava que este tipo de coisas só aparecia em filmes, livros ou então só acontecia aos outros...
Isto prova que estava enganado. Agora já aceitei isto. Já sei que não é um pesadelo... A dor que sinto após cada visita semanal relembra-me de que estou acordado.
Não há nada que magoe mais um filho do que não ser reconhecido pela própria mãe.
No entanto, é isto que acontece quando alguém tem Alzheimer... Pessoas magoadas, quando os entes mais queridos se esquecem de todos os laços que formaram durante a vida.

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