sábado, 21 de abril de 2012

TEMPO DE ESPERA

Lua Nova, 21 de Abril de 2012

O que é que vou fazer aqui durante uma hora? Entrei calmamente e olhei em volta. Era como se estivesse a nadar contra a corrente... Tudo a sair e eu a entrar. Já para não falar do desconforto de me sentir bastante observada.
Decidi ir para um canto junto a um elevador fora de serviço e esperar. Não teve muito bom resultado: estava tão aborrecida que nem cheguei a estar cinco minutos quieta! Só a andar de uma lado para o outro. Fará muito mal sentar-me no chão? Whatever... As pessoas já estão a olhar para mim, de uma maneira ou de outra. Acabei por me sentar, o que melhorou um pouco o meu humor, pois pude pousar o guarda-chuva encharcado que já me tinha molhado a parte debaixo das calças de andar a bater com ele nas pernas, enquanto andava de um lado para o outro à espera das 13h00. Tirei o telemóvel com esperança de encontrar alguma rede Wi-Fi (desprotegida, claro). Ya, bem posso ficar sentadinha à espera. Tirei os cadernos para ver se estudava alguma coisa, mas não me conseguia concentrar. Não consigo ficar aqui! Levantei-me e decidi ir mais para dentro do piso de entrada.
Não foi preciso ir muito longe para me afastar daqueles olhares indesejáveis. E já não era sem tempo... Um "hall" de espera! Muitos espaços vazios, cadeirões para me sentar e pessoas sem prestarem atenção às outras. Perfeito! Ainda não tinha acabado de pensar nisto, já me sentia um bocado arrependida da expressão que tinha utilizado... Não conseguia deixar de pensar que aquela expressão não pertencia ali.
Fui para a fila de cadeiras mais vazia e sentei-me na cadeira mais perto da janela. Ainda está a chover... E eu ainda vou ter de esperar mais de meia hora. Pode ser que a reunião acabe mais cedo. Também pode acabar mais tarde. Continuei no meu mundo a olhar para fora da janela, a pensar quanto tempo tinha de ali estar, até ouvir os risos de uma miúda que estava seis filas de cadeiras à minha frente e que não parava de chamar a mãe por uma razão que me era desconhecida. A mãe, que estava fixada no telemóvel, olhava para ela, sorria, dizia qualquer coisa ininteligível e voltava a sua atenção para o telemóvel. Na fila de costas para mim, estava um homem de fato e gravata, a conversar alegremente com quem quer que seja que lhe tenha telefonado (na minha opinião, um colega). Mas ao menos podia não falar tão alto.
Neste tempo em que andava a ouvir o que estava à minha volta (não quero andar para aí especada a olhar para o  que as pessoas fazem, visto que o mesmo me incomoda), tinha tirado um caderno e começado a desenhar, para passar o tempo. E também para me desviar a atenção de que definitivamente não pertencia ali. Foi uma das vezes em que levantei a cabeça para ver as horas... Só mais 15 minutos, no mínimo! Também reparei numa senhora, idosa, cabelo branco e curto, demasiado magra, óculos redondos e demasiado grandes para a cara alongada dela. Está doente, ou esteve, pelo menos... A roupa estava-lhe muito larga, embora nenhum lhe ficasse curta em corpo, braços ou pernas. Logo, a roupa é, muito provavelmente, dela. O que indica que emagreceu bastante durante a doença. E que eu ando a ver demasiado "Sherlock". Tentei continuar a desenhar, um pouco envergonhada por estar a deduzi-la, mas a mulher não me saía da cabeça. Deve ter sido uma doença grave... Cancro, talvez? Mal dei por mim, estava a olhar outra vez para a senhora. Tinha uma expressão preocupada, tal como as pessoas que a acompanhavam (filha e genro?). Se for mesmo a filha, então a senhora não deve ser tão velha como aparenta... Achei melhor ignorar aquela família, antes que fosse longe demais. O quer que se passasse é assunto deles, não meu. Voltei a fechar-me no meu mundo de desenhos e rabiscos que, tenho a certeza absoluta, não vão chegar ao fim da semana.
O problema é que a senhora estava mesmo na fila de cadeiras debaixo do relógio (que já passava das 13h00) e sempre que olhava para lá, não resistia a ver como é que ela estava. Num desses momentos, vi-a a chorar. Bolas! A mulher ao lado dela estava abraçada a ela, mas eu não lhe conseguia ver a cara. A única coisa que conseguia pensar é que lhe tinha morrido o marido... Não fazia a mínima ideia do porquê daquela família estar ali, não fazia a mínima ideia o porquê de ter pensado aquilo e até podia estar completamente errada, mas era a única ideia que tinha. E isso, fez-me sentir que sabia algo demasiado íntimo e que não tinha nada de ter conhecimento disso. Especialmente, quando a senhora levanta a cara para limpar os olhos.
Nesse momento, baixei a cabeça na direcção do meu caderno. Porquê?... Porquê, porquê, porquê?! Damn it! Não devia ter vindo para aqui! Devia ter ficado à chuva, ao menos não me sentia... Não me sentia como? Como se tivesse invadido a privacidade de alguém! Tinha ido longe demais. Felizmente, não fiz nada para além de pensar. Sei que muitas vezes vou longe demais, especialmente quando o quero fazer. Mas agora... Foi sem querer, puro aborrecimento... A expressão dela tinha me prendido desde o início por demonstrar tanta emoção, enquanto eu controlo quase sempre as expressões que demonstro. Quem me dera poder ir embora...
"Estás pronta?" Ouvi de repente. Finalmente.
"Sim, pai." Arrumei tudo, peguei no guarda-chuva e levantei-me para o cumprimentar. Segui-o em direcção à saída, passando pela senhora idosa, agora mais calma. Desculpa. Disse-o mentalmente, embora sabendo que ela nunca reparou em mim (tal como não repara agora), porque achei que tinha passado das marcas.
Provavelmente, nunca mais a irei ver... Mesmo assim, espero que tudo melhore.